ARTIGO: DA COMPETÊNCIA DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL PARA A DESAFETAÇÃO DE ÁREAS VERDES E INSTITUCIONAIS DECORRENTE DA APROVAÇÃO DE LOTEAMENTOS:
01 de outubro de 2018
Para a abrangência do tema, é imprescindível que atentamos ao conceito, classificação e destinação de bens públicos, de forma que possamos compreender que a celeuma da desafetação de áreas verdes e institucionais se estabelece em torno da destinação de bens do domínio público - uso comum do povo, já que em relação aos demais – bens patrimoniais indisponíveis (uso especial) ou bens patrimoniais disponíveis (dominiais) – é inconcussa a possibilidade da desvinculação da sua primitiva finalidade pública, posto, inclusive, pela ausência da vinculação no caso dos bens dominiais.
Assim, quando tratamos de áreas verdes e institucionais advindas de parcelamento do solo urbano, mais especificadamente da vinculação decorrente da destinação das áreas dos loteamentos, devemos compreender que tal desiderato não deve ser intangível, ou seja, que a destinação das áreas verdes, institucionais e sua locação possam, em certas situações, excluída tal possibilidade pelo loteador, sofrer mitigação por ato do Poder Executivo, de forma viabilizar a integração do binômio desenvolvimento e meio ambiente.
Portanto, ganha cada vez mais relevância as discussões sobre o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, no sentido de tentar garantir o bem-estar da população e o crescimento das cidades, tendo neste contexto os municípios papel preponderante, seja por disciplinarem questões urbanísticas – interesse local - ou mesmo pelo fato de ditas áreas passarem, após a aprovação dos loteamentos, a pertencer o domínio do Município, portanto, integrante da competência discricionária da administração.
Necessário anotar a importância das questões urbanísticas no tema, dentre os quais os requisitos urbanísticos para loteamentos e a compreensão das áreas verdes e institucionais, de maneira que possamos compreender a abrangência de tais institutos.
Neste ínterim, tendo a legislação federal delimitado os requisitos para o parcelamento e as formas deste, coube a legislação local atribuir, segundo os requisitos contidos no art. 4º da Lei Federal n.º 6.766/79, as frações das áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, fins do que a doutrina chama de urbanificação.
Assim, é na destinação atribuída a área pública, que engloba área verdes e institucionais, que paira a grande celeuma sobre a desafetação, visto que com a aprovação e registro do loteamento, tais áreas - vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo -, passam, segundo o art. 22 da Lei 6.766/79, a integral o domínio do município, afetando a destinação e passando a compor os bens de uso comum do povo, situação imodificável por ato do loteador.
Dentro deste panorama, ao se possibilitar a desafetação/realocação das áreas verdes e institucionais, situação questionada por muitos autores, não se pode esquecer que a solução pela flexibilização ou relativização é excepcional e só pode ser invocado em situações extraordinárias, pela Administração, com o objetivo de corrigir falhas, obter ganho ambiental e propiciar o desenvolvimento sustentável da cidade, tudo observado o relevante interesse público e os princípios encartados no art. 37 da CF.
Destarte, a desafetação, flexibilização em caráter excepcionalíssima, de bens de uso comum para bens dominiais, principiado do devido processo – autorização legislativa e/ou realização de licitação – e apoiada na demonstração do relevante interesse público, não afronta os valores ambientais e os legalmente constituídos, posto a competência atribuída a Administração e o fato de tais atos estarem intimamente ligados a correção de falhas e/ou obter ganho ambiental e/ou propiciar o desenvolvimento sustentável da cidade.
Hipóteses que serão afetas à jurisprudência pátria, que na lição do Min. Humberto Gomes de Barros (REsp n. 23.498) não é “uma rocha cristalizada, imóvel e indiferente aos acontecimentos. Ela é filha da vida. Sua função é manter o ordenamento jurídico vivo e sintonizado com a realidade.”.
Inclusive, é justificável, frente às sensíveis transformações sociais, jurídicas e a visão da política urbana no Estado contemporâneo, o acatamento da desafetação nos casos acima descritos, já que evidencia a preocupação não apenas com a solução do conflito, mas como um meio de propiciar melhores resultados práticos à população e ao bem-estar coletivo, destinatários da atividade Administrativa.
Tais probabilidades fundamentam-se nos princípios erigidos a Constituição Federal, nos preceitos estabelecidos pela Lei 6.766/79 e na gestão ambiental concertiva, que buscam a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente, meios estes de equacionar possíveis choques entre normas de preservação.
Portanto, é imperioso encontrar um legitimo ponto de equilíbrio entre os dois valores descritos anteriormente, de maneira que não seja desprestigiada a construção advinda dos esforços de assegurar o bem-estar da coletividade, mas também seja oportunizado o crescimento econômico, que a nosso ver, na casuística e em caráter excepcional, mediante a devida ponderação, legitima da mitigação da intangibilidade da afetação outorgada aos bens de uso comum.
De tal forma, ao depararmos com situações que afrontem o sobredito e estejam calcadas no relevante interesse público, justificável será uma maior abertura para a desafetação do bem.
Inclusive, a título de exemplo, é o entendimento adotado em diversos julgado, como: TJSC, Apelação Cível n. 2002.015614-6, de Santo Amaro da Imperatriz, rel. Des. Volnei Carlin, j. 14-04-2005; TJRS Apelação Cível Nº 70032341430, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, Julgado em 01/09/2010; TJMG - Apelação Cível 1.0702.11.053042-6/003, Relator(a): Des.(a) Áurea Brasil , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/04/2017, publicação da súmula em 09/05/2017.
Assim, o caminho a ser perseguido não deve derruir a garantia ambiental construído ao longo dos anos, mas sim buscar uma conciliação desta com o desenvolvimento sustentável da cidade, de forma a manter um equilíbrio, propiciando mecanismos de correções e ferramentas para o desdobramento da atividade Estatal.
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Nahim Diego Mezacasa de Mattos é advogado, graduado em Direito pela Fundação Universidade do Contestado, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC e em Direito Público com ênfase em Gestão Pública pela Faculdade Damásio.